Bruno Thys

Dia desses parei pra tomar um café num pé sujo em Botafogo. O botequim era minúsculo, mal iluminado, sem mesa ou cadeira, café em copo de vidro e açucareiro de metal. Adoçante, nem pensar. Devia ter umas quatro ou cinco pessoas, contando o dono, do lado de lado de lá do balcão. Peguei uma conversa no meio.

—Esse presidente quer botar ordem na Amazônia. Ele tá certo. Aquilo lá virou casa da mãe joana —disse um homem de seus 50 anos, que estava na porta, de costas pra rua.

—Casa da mãe joana, não! — rebateu o mais idoso ali, com um cigarro no canto da boca, voz rouca, provavelmente por excesso de tabaco. —A Amazônia é casa de índio, de macaco, de onça, de árvore, de pássaro, de peixe, de tudo menos da mãe joana.

Fiz um gesto de positivo com o polegar pra ele. E nisso o que estava na porta reagiu.

—-Ok! Mas se não botar ordem ali, não sobra índio, bicho, ou árvore.

Repeti também pra ele o mesmo gesto com o polegar. Foi a vez do que estava ao meu lado, apagar o Marlboro no copo de café e retrucar.

—Tô de acordo que precisa de ordem. Mas é importante que os malucos lá de Brasília entendam que aquilo vale mais do que tudo no mundo. Mais que pré-sal, mina de ouro, ou qualquer outra coisa.

Ambos tinham razão, falavam com propriedade e lucidez sem serem conservacionistas, biólogos ou estudiosos do tema. Eram pessoas dotadas de bom senso, matéria escassa em Brasília.

Mais uma vez me dei conta de que a taxa de racionalidade do debate sobre a Amazônia – e do próprio país – cai à medida em que se aproxima das instâncias de decisão do poder. Há muito mais lucidez e consistência nas discussões num botequim do que no Planalto. Aliás, sempre houve.

De fato, o que diferencia o Brasil do mundo é a imensidão de seus recursos naturais, em especial, da Amazônia, disparado o nosso principal ativo. Se os Estados Unidos oferecem inovação, a Europa, educação e a cultura, e a Ásia, sua incrível capacidade de organizar a produção, o Brasil contribui com gigantescas reservas naturais.

A Amazônia é a maior usina de produção de vida do planeta. Se fosse uma empresa, teria valor incalculável e suas ações estariam entre as mais concorridas nas bolsas, não pelo que dela se pode extrair, mas pelo valor de bens, tangíveis e intangíveis, num mundo cada vez mais devastado. Que outra empresa fabrica ar, água, árvores, nuvens…? E os acionistas dessa empresa, de fato e de direito, somos nós todos, mas sem assento nas assembleias ou direito a voto.

Neste momento, creio, a Amazônia demanda uma visão mais econômica do que jurídica. Trata-se de questão matemática simples: inteira a Amazônia vale muito mais do que retalhada.

Se o Brasil misturasse o bom senso – matéria abundante entre a população -, ao conhecimento de técnicos e especialistas, num exercício de planejamento, certamente se teria menos devastação e alguma garantia de preservação no tempo.

Não é o caso de passar a cerca na Amazônia, mas de usá-la de forma racional, impedindo a exploração do que não é renovável. E ainda assim com regras e bom senso. A extração de minério, por exemplo, deveria levar em conta a relação entre “estragos e benefícios”. O valor de uma árvore na Floresta é muito maior – e cada vez mais – do que tombada e vendida em toras.

Infelizmente, a mentalidade extrativista plantada em 1500, sobrevive firme e forte. Parte do princípio de que a natureza é um bem divino, oferecido a quem tiver recursos para explorá-la, sem levar em conta o esforço e o tempo gasto pelas forças do Planeta para fazê-la emergir do solo. E desconsidera sua fragilidade diante de ferramentas de destruição em massa, disponíveis em qualquer loja de esquina.

Não se reproduz nada parecido com a Amazônia em laboratório. O que a natureza levou milhões de anos para formar, não resiste a uma mistura de motosserra com mercúrio.

Já estava de saída do botequim, quando ouço do mais idoso a seguinte observação:

—O Brasil tá fatiando ouro em ferro-velho e vendendo pelo preço do quilo de cobre.

Levantei os dois polegares em sinal de positivo pra ele.