Vou citar duas lembranças importantes, pra ousar falar da beleza:

Uma vez, um cara me disse que Brasília é como essas mulheres cuja beleza de nada serve. Respondi que a beleza nunca “serve” pois que é excelência.  Lembrei-me disso hoje, ao comentar a leitura de Proust num grupo de que faço parte. No “Le Temps Retrouvé”, Proust fala da primeira guerra mundial que era então corrente. Embora seu texto seja sempre justo, moral, e abrangente, ele, mesmo sob as bombas dos alemães, não deixa de detetar a beleza no céu cheio de aviões, nos monumentos enluarados em lugares abandonados, e até mesmo nas explosões. Numa das poucas vezes em que saiu e voltou pra casa quase que sob um bombardeio, respondeu `a empregada que achou migalhas das explosões no seu casaco, e preocupada, perguntou a ele se sentiu medo: “Não, Celeste, estava lindo!”, Proust respondeu.

Enquanto alguns de nós sentem nesse voto `a beleza o sopro do divino, os materialistas, não acreditando em transcendência, veriam alienação. Por isso, um exímio intelectual cujo nome não vou citar, disse que Proust sabia escrever super bem, mas sobre “nada”. O cara era comunista e ateu, embora possuísse mil quadros de arte não engajada na sua casa, parecendo saber valorizar a auto suficiência do belo artístico, o absoluto, na independência que esse belo tem das convenções sociais, dos fatos, e da temporalidade.

Nessa mesma linha, a beleza que Proust deteta esta mais nas palavras com que ele a descreve do que na realidade que o inspirou. Diante do belo artístico, a realidade fica qualitativamente neutra. Por isso papai me disse, nessa segunda lembrança que menciono, quando eu era pintora e adolescente:

“Você pode encontrar beleza na pintura de uma lata de lixo, e feiura na de um céu azul.”

Papai era ótimo pra falar verdades concisas.

Vou tentar imitar ele um pouco, e dizer algumas coisas ligadas ao que eu respondi ao cara que acusou a falta de utilidade na beleza de Brasília:

            A beleza é excelência enquanto a utilidade é exatidão,

            A beleza libera, a utilidade escraviza.

            A beleza conta estórias, a utilidade dá ordens.

            A beleza é o sempre, a utilidade é passagem.

            A beleza é atemporal, a utilidade é transição.

            A beleza é final, enquanto a utilidade é continuação.

            A beleza é um extremo, a utilidade um degrau.

            A beleza é completude, a utilidade é carência.

            A beleza é livre, a utilidade é interessada.

 

            A beleza é o voo da alegria nas profundezas da seriedade,

            O perdão da essência ao mundo da relatividade,

            A coerência de unidade na magica da diversificação,

            O acordo na diferença,

            A existência de desígnios de que se fez molde,

            A dimensão visível da fé.

John Miur, o cara que fez na Califórnia o bosque (Miur Woods) de pinheiros milenares, cuja altura é eterna ascensão, disse que o homem precisa tanto da beleza quanto do pão que o alimenta.