E teve boatos que a Art Rio estava na pior, mas eu digo que não.  Numa cidade que foi saqueada como a nossa e em plena pandemia, ser a única feira de arte do mundo a acontecer presencialmente é um ato de resistência e foi o que vi.

Logo na entrada, fui recebida por um Nelson Leiner sereno lendo Jornal do Não Artista numa banca apinhada de objetos que o deixariam louco (foto).  Para o artista que faleceu recentemente, o bom humor era a matéria-prima de suas obras.  Mesmo que fossem críticas, as obras esbanjavam bom humor com apropriações, objetos comprados no Saara e acumulados, brinquedos, santos e o que a sua imaginação permitisse e instigasse a nossa percepção.

Como nas outras edições, a feira começa com galerias que trabalham com artistas modernos brasileiros.  Uma verdadeira aula de história da arte no Brasil para que se dispuser a olhar com calma.  Tem Volpi em profusão, Di Cavalcante, Portinari, Milton da Costa, Iberê Camargo e por ai vai.

A partir desse ponto a Art Rio se assume contemporânea com artistas consagrados internacionais e nacionais.

Dos internacionais, vou destacar quatro artistas de peso.  O minimalista Dan Flavin com uma instalação de luzes que deixava o ambiente da galeria azulado.  Anish Kapoor com uma obra espelho, onde a medida que nos aproximamos nossa imagem pula de cima para baixo.  Michelangelo Pistolleto com a obra ConTatto, através de um espelho, dedos se tocam como na imagem da Capela Sistina entre Deus e Adão, a criação do mundo.  Uma reflexão para nossos dias de isolamento social.  Antony Gormley, meu preferido, a escultura de um homem que dormia retesado em posição fetal no chão.

Dos fotógrafos brasileiros, Miguel Rio Branco com Blue Panther, uma obra de 1,5m.X1,5m. da sua série sobre luta de boxe.  A poesia vem do boxeador sem um braço, numa luz azulada que brinca do esconder e mostrar, um espelho com uma toalha pendurada e um tênis branco.

Milton Montenegro com uma séria finalizada durante a pandemia foi buscar inspiração no filme italiano icônico Blow Up, que foi traduzido para o português como Depois daquele Beijo.  Esse filme questiona a própria arte da fotografia que enxerga além do visível, quando ao ampliar suas fotos, o fotógrafo se torna testemunha de um crime.  As fotos de Montenegro já são, de certa forma, ampliadas, porque estão em close-up.

Uma série de retratos de John Lennon e Yoko Ono, como um jovem casal em lua de mel, logo após a ruptura com os Beatles, feitos pelo fotógrafo Luiz Garrido é mais uma presença relevante da fotografia brasileira na feira.

Duas obras que revisitam outras artistas, Sala de Espera do artista Tinho com o cachorro de Jeff Koons e o Bicho de Ligia Clark; Tamandua Rothquiano de Carlos Zílio, leva o animal na nossa fauna para os color fields em preto e Branco de Mark Rothko.

Falando na nossa fauna, Tamanduar-te do @institutovidalivre, reúne obras doadas de artistas como Nazareno e Roched Seba, sob a curadoria de Pablo Leon de la Barra.  O objetivo é arrecadar fundos para salvar animais silvestres.

Como a arte contemporânea é engajada, vou citar mais duas galerias envolvidas com projetos sociais. A 50X5 tem múltiplos de artistas e o valor arrecadado com as vendas é direcionado para 3 instituições que cuidam de mulheres e crianças.  A EAV do Parque Lage, também com múltiplos, cuja venda servirá para bancar bolsas de estudo para artistas.

Não posso deixar de falar de outra coisa que presto atenção em feiras de arte, o mobiliário, sempre muito interessante.  Nas galerias, móveis em jacarandá, muita cadeira de palhinha e design modernista que não passa desapercebido.

Por último, um grito de esperança, a bandeira verde e rosa de Marcos Chaves com o inscrito Vai Passar.  O problema é que nas costas da bandeira tinha um ponto de interrogação.  Se vai passar mesmo, eu espero que sim, mas a Art Rio edição 2020 está ai para provar que em tempos difíceis, a arte salva.