A maçã, enquanto símbolo, representa a queda do paraíso, a consciência do mal e do bem, o fruto da árvore do conhecimento, a tentação, e no mínimo, muito mais.  Coitada, da maçã, mas finalmente, ela é a fruta que melhor se pode dividir ao meio, e  transforma-la em metades opostas.  A maçã representou os Beatles, e nos tempos atuais, a marca do Steve Jobs. Os lançamentos Apple não deixam de fazer jus a simbologia religiosa, abrindo acesso ao reino do conhecimento, da exatidão, e das regras,  que é o reino do ego, da parte de nos que, intelectual ou não, cientista ou não, separou-se de Deus. O  ego representa a gente, sem ser, exatamente, a gente. No seu reino, o que verdadeiramente somos, vive por “procuração”, através dessa ferramenta de sobrevivência, que na verdade não  chega `a nossa essência.

Por outro lado, Ayahuasca  não é símbolo; Ayahuasca é a voz da floresta, o resgate do sagrado, a reconciliação das divisōes. Ayahuasca é. O reino do Ayahuasca é o nosso coração, o nosso ser direto, ao invés de representado.

Tudo isso pra dizer, que nessa recente cerimonia, que meu filho organizou aqui nos Estados Unidos, com um maravilhoso Shaman de passagem com sua “entourage” (a cantora oficial, o rapaz americano  que o vem acompanhando fora do Brasil, e a tradutora)- numa casa, no alto das montanhas-  o reino do ego estava presente, tão aguçado e feroz, a ponto de só ver, no mais leve afeto entre os participantes, a possível tentação para o sexo, ou o “desrespeito” de manifestaçōes individuais, mesmo que em discretas e curtas trocas de impressōes,  e, na espontânea contribuição criativa de qualquer um deles, um desrespeito ao espaço do Shaman. O ambiente, mais do que repressivo, era castrador, e, abafando a espontaneidade criativa de cada um,  me fez lembrar o que um de meus tios dizia, “não há ninguém que não possa acrescentar `a gente alguma coisa; seja pobre,  ignorante, ou discriminado da sociedade. Aquele tio, socialite e snob, nem por isso se tornava incapaz de ver a inesgotável riqueza do indivíduo, o indivíduo “nu”, quer dizer, além de todas as atribuiçōes sociais e valores culturais. .

A maçã como símbolo , agudamente presente, era a censura que justificou aquele cara ficar patrulhando todo mundo.   “Ego adora regra,  autoridade, divisōes entre o que pode e o que não pode, e consequente destruição de toda e qualquer espontaneidade”, ja me disse o meu analista junguiano, experiente, e sábio. Hat off, to him.  O rapaz americano se imbuiu de uma autoridade de policial, e no seu volumoso tamanho, patrulhando a pequena sala, mais do que cheia, com vinte e três pessoas,  dava a impressão de alguém encarnando a inquisição espanhola. Vigiava tudo que se fazia,  que se dizia, sem ajudar ninguém em nada, quer dizer, sem ser um daqueles maravilhosos guardiōes, formados por nosso querido Txana Bane. Estes, não só davam o maior apoio,  como geralmente cantavam bem melhor do que os que tivemos, nesta mais recente vez.

Claro que cada pajé tem o seu estilo, e se  o que tivemos dessa vez ditou regras para aqueles que o acompanhavam transmitissem aos que participavam, então que a tradutora, e esse patrulhador, tivessem avisado no começo da cerimonia, ao invés do cara ficar rudemente reprovando  as pessoas, dando bronca num que tocou, num intervalo, sem pedir licença (ele não sabia) mostrando mesmo autoridade, pra todo mundo.  Ja participei de muitos rituais, com Shamans diferentes, e de tribos diferentes, mas isso nunca aconteceu. O índio, o Shaman, reflete a espontaneidade, a disciplina, e a  incessante abertura do Ayahuasca pra criatividade. Os índios transmitem a maior convicção, naturalmente, e essa é a sua autoridade. O civilizado, por outro lado, encarcerado no domínio do ego, tem que seguir regras, justamente por não ter convicção, e zero, de espontaneidade.

A tradutora oficial, por outro lado, reportava tudo que o Shaman falava com todo o seu ser, num tom de cansaço condescendente, como se estivesse fazendo algum dever de casa. Esses sim, são desrespeitosos. Afora isso, ela, mais que brasileira, me chocou com a sua incapacidade de confessar ser originaria do Brasil. “sou de muitos lugares, porque vivo em muitas partes…” foi a sua resposta, evocando um dos personagens mais pedantes, de Proust.

Tenho uma prima que conheceu esse Shaman em Londres, e participou de Ayahuascas com ele, organizadas pelos amigos dela, e me disse que jamais houve esse tipo de clima. Me pergunto: se Ayahuasca não ensina humildade, um pouco que seja desta, para esses ocidentais que se agarram com a autoridade que imaginam merecer, o que, então, pode ajuda-los?

Isso reverte ao que sempre pensei, e ao que psicólogos também dizem: querer chegar ao transcendente, sem cuidar antes dos seus problemas humanos, da sua carencia, dor, e o que leva a essa imensa e inadequada auto-importância que se reflete na   vaidade pessoal, é como querer atingir o último degrau de uma grande escada, pulando todos os outros que levam até ele. E isso é muito mais comum do que se pensa. Ninguém quer encarar a confusão da sua  dimensão humana, pensando que pode ser um eleito de Deus. Mas Ayahuasca, na sua extrema generosidade, vai chegando `as pessoas certas, e “desculpando”, quem sabe, as erradas. So espero que estas compreendam que os índios não precisam da sua censura, e devem trocar a autoridade de um policiamento inadequado, pela humildade de um coração aberto.

Mais uma coisa sobre a maçã, que, no que vem a seguir, se refere `a marca Apple: Tivesse Steve Jobs, que era um místico, e vivia citando a abertura que lhe deu o LSD, conhecido o Ayahuasca, ele mudaria o mundo pela segunda vez: a conexão eletrônica que, na internet, liga gregos e troianos, aqueles cheios de raiva aos que por eles são detestados,  seria substituída por uma muito maior: a ligação inclusiva do amor, na rede entre todos os seres da criação, que os liga `a terra e ao cosmos, pelo mão de Deus.

Quem conseguiu dar a forma do iPhone, ao cordão umbilical de tantos, conseguiria isso também!