Quando me mudei para os Estados Unidos, estava longe de imaginar que na vista de muitos, “virei a casaca”.  Embora goste do país, so me tornei  cidadã americana para facilitar minha situação legal, de mãe de familia americana, pois não me considero pertencente a nenhum país, assim como vejo em qualquer pessoa um cidadão da humanidade, quer dizer, alguém livre para, havendo ocasião, mudar-se pra essa ou aquela cultura. Como Oscar Wilde, acho que “Patriotism is the virtue of the vicious”. Me dei conta que o motivo que me faz ver em cada pessoa um individuo acima de condicionamento e circunstancias, é o fato de que nunca fui capaz de contextualizar.  Voltando `a minha mudança radical, quando fui primeiramente morar numa cidade rural em Iowa, que tinha somente 60 mil habitantes, muitos achavam que não iria dar certo. Afinal, sair do permissivo Rio de Janeiro, para um lugar pequeno, provinciano, super católico, considerado pelos próprios americanos como a cidade mais racista do país, pra estar com um cara de formação completamente diferente , não poderia dar certo. Como é natural, todos contextualizavam. Eu, entretanto, so via o caso individual, de gostar do homem que encontrei, confiar nele, e perceber que ele apreciava o filho que eu ja tinha, e que trouxe comigo. Pra mim, so isso contava. O que se passaria entre as quatro paredes, era o que determinaria como se “comportaria” o mundo la fora.  Morei 14 anos naquela cidade, e posso dizer que não foi fácil mas, ate um certo ponto, deu certo. O frio, que `as vezes chega a a 30 C abaixo de zero, não era problema, mas a mentalidade paroquial das pessoas, o fato de praticamente não haver estrangeiros, e o clima “incestuoso” de um lugar em que não ha anonimidade, e todos viram, por causa, o juiz do proximo, era de sufocante. Eu ali me destacava como uma carnavalesca, dentro de um escritório de executivos de terno e gravata. Meu sotaque envergonhava meu filho, que estava naquela idade em que as crianças esperam que seus pais sejam como todos os outros. Uma vez, telefonei para a casa de um amigo dele, pra saber quando deveria busca-lo, e foram lhe dizer que alguém que “não falava ingles” queria falar com ele. Pronto! Aquilo foi suficiente para ele me dizer furioso, que não telefonasse mais pra casa dos seus amigos. Não sei se tive mais pena dele do que de mim mesma, quando, chorando, contei o caso ao meu marido. “Mas voce fala muito bem!” disse este, Mas eu sabia que um simples sotaque, para quem nunca ouviu estrangeiros, é suficiente pra ser considerado ignorância. Enfim, ouve ocasiōes em que quase fiz minhas malas, pra voltar pro Brasil, e se isso não aconteceu, foi porque “as quarto paredes”, quer dizer, nosso caso individual, estava dando certo, mesmo que aos trancos e barrancos, sobrepondo-se ao contexto. Também porque, minha diferença foi sempre bem acolhida pelos Americanos, que pareciam ver charme em tudo que a expressava. Mas afora idas ao único e resumido shopping da cidade, ou ao único cinema, que so mostrava blockbusters Americanos, não tinha nada pra fazer ali. Alias, sendo a pequena cidade agraciada com uma pequena estação de sky, podia-se, através desse esporte, ficar em contacto com a gelada natureza. Assim, me lancei no snowboard ja na meia idade, quando Olivia, a filha que tive la, era ainda bebê. Insisti naquela atividade, durante cinco invernos, parando na emergencia medica, em cada um deles. No primeiro, quebrei o pulso, e passei três meses com o braço engessado. Para trocar a fralda de  Olivia tinha que complementar com a boca, como um cachorro. Mas continuei, ate finalmente ver, que sem empregadas, amigos, ou alguém que pudesse ajudar, eu não tinha condição de continuar me machucando.

Depois de morar naquela cidade durante catorze anos, percebi que Olivia estava sendo discriminada pelas amigas, pelo honrável fato de eu ter, exposta  em minha sala, uma escultura de mármore feita por papai, figurando um casal nu, e que eu mostrava `as pessoas com orgulho, sem saber estar chocando todas, decidi me mudar. A mulher do casal vizinho a nós, cuja filha era, também, amiga de Olivia, se chocava com o fato de me ver de mãos dadas, ou simplesmente abraçada com meu marido, na varanda. Vim a saber, que ela declarou não sermos bons exemplos, para crianças.E esta era uma mulher metida a alternative, que pregava Palatis, Yoga e meditação, e alias, gostava de encher a cara. Acho que eu fiquei dez vezes mais chocada com ela, do que ela comigo. Mas o que interessa é que percebi que se não saíssemos de la, Olivia eventualmente começaria a me discriminar em favor dos amigos, ou discriminar os amigos, a meu favor. Assim se iniciou, para nossa familia, uma serie de mudanças pelo país, e viemos, finalmente, parar em Boulder, essa maravilhosa bolha de espiritualidade, e pseudo iluminados, praticamente isolada, por um halo de contemplação, da realidade do resto do mundo, desfrutando da melhor maconha que deve existir, em mil meios diferentes de ingestão, e da constante busca de expansão da consciência. Em Boulder, senti-me mais perto da dimensão espiritual,  parecendo-me, portanto mais fácil passar pro lado de la, quando meus dias no planeta chegarem ao fim, pensei, logo que nos mudamos.

A individualidade no caso de minha familia continuou a “dar certo”, se não acima do contexto, lutando com este, e conseguindo se sobrepor. Desta feita, mesmo continuando a acreditar no poder existencialista de auto- criação do individuo, quer dizer, na dimensão que, única e absoluta, deste ultimo, esta acima dos fatos temporais, admito que vim, lenta e dolorosamente, reconhecer a fôrça do contexto em que este se encontra. A força das diferenças culturais, e de tudo que não é nem eterno e nem inato. Aquilo que torna os Estados Unidos um país odiado, ao mesmo tempo que admirado, copiado,  forjado, e aqueles que nele vem morar, “suspeitos”, para muitos. Aquilo que me fez ter pena dos mexicanos do resort que acabamos de deixar, no seu desespero de replicar uma realidade americana, que de México, não tinha nada.

Assim como a intensidade atemporal que as ruínas Maya transmitem, sobrepondo-se `a profanidade do nosso  mundo,  continuo acreditando no poder de cada um daqueles empregados do resort, se quiser, se ousar,  se sobrepor ao seu descaracterizado contexto. E com esta fé, em cada um, cada qual, desejo a todos Feliz Ano Novo!