O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica recebe a exposição Desculpe Atrapalhar O Silêncio De Sua Viagem, de Lia Letícia, sua primeira individual no Rio de Janeiro. Com curadoria de Clarissa Diniz, a mostra apresenta singularidades do percurso da artista, que busca redimensionar e representar corpos invisibilizados ou excluídos da história oficial da arte.

A seleção reúne obras, práticas, intervenções e documentos que, conectando Rio Grande do Sul, Pernambuco e Rio de Janeiro, visam potencializar esses cruzamentos geopolíticos em contínua transformação e expressar um desejo vivo pela criação em coletividade. Com realização de Rosa Melo Produções Artísticas e incentivo do Governo do Estado de Pernambuco, por meio do Funcultura, a mostra fica em cartaz até 26 de agosto, de segunda-feira a sábado, das 10h às 18h, com entrada franca.

 

Crédito: Adalberto Oliveira.

Como destaca a curadora, certamente quem se desloca de ônibus, trens e metrôs nas grandes cidades já foi abordado por um “desculpe atrapalhar o silêncio de sua viagem”. Mesmo proibidas no Brasil, as atividades comerciais nos transportes públicos são o meio de sobrevivência de milhares de pessoas. O comércio de itens tão díspares quanto balas, pendrives, biscoitos e fones de ouvido divide espaço com músicos, poetas, dançarinos e tantos outros artistas que também fazem desses veículos palco para suas performances. Esse contexto de disputa entre desigualdade social e a pujança criadora permeia a produção de Lia Letícia.

“É nessa complexidade política, social e estética das formas de trabalho que se inscreve a obra de Lia Letícia. Nesse contexto, sua obra atua não apenas como denúncia, mas como uma provocativa, irônica, inventiva e bem-humorada terapêutica social. A exposição é um convite para a aproximação desses públicos às práticas da artista que também fará uma criação coletiva junto as doceiras da Saara”, destaca Clarissa Diniz.

Crédito: Adalberto Oliveira.

Gaúcha radicada em Recife (PE) desde 1998, Lia Letícia tem sua obra lastreada não na excepcionalidade e pretensa autonomia da arte, mas em seu oposto: sua ordinariedade, suas disputas, suas violências. Para Lia, a arte é parte dos conflitos e construções da cultura e, como tal, deve ser pensada, criticada e tensionada por práticas culturais que se situam à margem do coração de sua hegemonia econômica, política e simbólica. Por isso, há quase três décadas a artista tem convocado camelôs e artistas de rua para usos não-especializados da ideia de arte e suas práticas políticas. Ela usa o humor e convida mulheres, indígenas, negros e outros sujeitos que foram subalternizados pela colonização para um diálogo e um conjunto de intervenções e propostas que, agora, pela primeira vez, serão articulados e apresentados como um corpo.

Lia considera que sua atuação como artista e seu papel como educadora se retroalimentam. “Toda obra, mesmo quando pensada individualmente pelo artista, traz dentro de si um pensamento coletivo, da vivência do artista enquanto ser social”, ela afirma.

Crédito: Francisco Baccaro.

O trabalho que leva o nome da exposição teve a participação do musicista Jessé de Paula, que tocava nos coletivos de Recife, e atuou de forma ativa e insubmissa. Na opinião de Lia, a conversa com Jessé mudou, em diversos aspectos, a própria feitura da obra. “Essa tensão, essa fricção entre como uma obra é pensada, como é executada e como chega ao espectador é o que me interessa. Busco trazer para dentro do meu trabalho as contradições desses outros corpos e coletividades”.

Também faz parte da exposição Thinya (2015-2019), obra realizada pela artista a partir de duas residências artísticas, uma em Berlim, na Alemanha, e outra no Território Indígena Fulni-ô, agreste de Pernambuco. Com a sinopse “Minha primeira viagem ao Velho Mundo. Minha fantasia aventureira pós-colonial”, o trabalho foi premiado em festivais como o Janela Internacional de Cinema, de Recife, e o Pachamama – Festival de Cinema de Fronteira, no Acre, e tem em sua trajetória a passagem por mostras nacionais e internacionais.

O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica fica na rua Luís de Camões 68 – Centro, Rio de Janeiro.

Crédito: Francisco Baccaro.