Primeiro foi o Museu do Louvre. Tantas vezes na cidade e não tinha animo para visita-lo. Não só pelo tamanho das filas (a única que enfrento com disposição é a da Pastelaria Belém, em Lisboa, por óbvios motivos) mas – pelo que, de antemão, sabia que lá iria encontrar. Há três anos tomei coragem e fui. Mais para vencer um preconceito do que por curiosidade.

Agora foi a vez da Torre Eiffel. Sempre tive vergonha de dizer que achava feia uma construção que se tornou o símbolo de Paris. Até ver que não estava só: o poeta Paul Valery traçava mapas com trajetos onde saísse de casa sem ver o monumento (tarefa quase impossível),horrendo em sua concepção. Pois desta vez, Paris amanheceu nublada e o turista acha que nuvem é sinal de chuva, portanto – pasmem, ao chegar lá, haviam apenas quatro pessoas na fila. Soube que depois que o sol abriu o tempo de espera passou para 2:30hs. Paris vista do alto e ainda mais linda. Não houve arrependimentos. E mais uma vez fui agraciado por outra fase eliminatória de todo e qualquer preconceito. O que para um senhor sexagenário cai muito bem. Mas, por hoje chega! Partindo para ver Gordon Matha Clark no Jeu de Pomme. Rs

LIBERTÉ, FRATERNITÉ, DÉSOLÉE

Quando me perguntam como na canção de Caetano: Onde está você agora? E respondo: Paris. O comentário é invariavelmente o mesmo: tá chic,, hein? Será? Algumas civilizações carregam esta aura de excelência e elegância, o que faz com que simples mortais colonizados como eu, experimentemos certa inadequação a determinados padrões sociais que vão além do oceano que nos separa. É inegável e inestimável a herança francesa como patrimônio cultural da humanidade. Mas, não houve até hoje revolução que resolvesse o problema da desigualdade social no país. Em Paris acordo cedo e durmo tarde. Ando pelos metros que cruzam a cidade. A mesma cidade partida que meu amigo Zuenir Ventura, denunciou no Brasil. Uma massa pobre e sonolenta que cruza a cidade para limpar casas que nunca poderão ter. Na volta, o mesmo desodorante vencido dos trens da Central do Brasil. Moleques ocidentais loiros dentro de confortáveis bermudas tomam sorvetes nas tuk tuks em volta do Champs Elysees observados por crianças de famílias refugiadas que suam em suas pesadas vestes ou dormem em velhos colchões debaixo das marquises da Christian Dior. O fosso social do mundo não acabou. E não há fragrância que mascare isso.

ARTISTAS FORA DA CASINHA

Quando a cidade é tão bela quanto Amsterdam alguns torcem o pescoço para não ver destoantes cenários industriais ou portuários não tão charmosos. Pois foi para um velho estaleiro no norte da cidade, o NDSM, que alguns artistas, designers, arquitetos e estilistas se voltaram. 

Como acontece na fabrica Bhering no Rio e na Lx Factory em Lisboa a tendência de dar uma ocupaçao digna a antigas fábricas, silos e estaleiros só faz crescer no mundo todo. Atravessei o canal para o lado norte da cidade hoje (há uma barca gratuita saindo de 20 em 20 minutos) para conhecer o local, em cuja entrada o brasileiro Kobra pintou um imenso painel com o retrato da ilustre menina judia Anne Frankie. A maioria dos ateliês não está aberto ao publico nesta época. Aguardam o portas abertas para 13 de outubro.

Mas, dá pra ver alguns trabalhos na coletiva que está rolando agora e dar uma passada no simpático Café Noordelicht, espaço cultural com shows e cardápios ecléticos da cozinha vegana a grelhados cujos preços cabem no bolso. Com direito à bela vista para os canais.

INSULINDE

Chovia quando cheguei em Amsterdam. Deu preguiça de sair. Precisava de uma bebida quente antes de me entregar ao sono. Em frente ao hotel havia o Café Insulinde. Luz acolhedora, juke box tocando de Amy a Michael Jackson e Janny atendendo um único cliente, um jovem sexagenário como eu, rabo de cavalo, boca do Mick Jaegger vermelha botando a língua pra fora no botton sobre a jaqueta de couro. Não havia dúvida: estava no Oost como os holandeses chamam o lado este da cidade.

Não precisa dizer que Paul Knaven, Janny e eu ficamos amigos. Pudera. Somos sempre e apenas nós, todo o final do dia batendo ponto no Insulinde.Janny, claro, porque trabalha lá e tem como tarefa nos expulsar na hora de fechar, rigorosamente a 1 hora, ainda que sentada à mesa conosco e parecendo se divertir com minhas estórias contadas num inglês cheio de gaps. Há um clube de sinuca rolando às quintas. Nada q atrapalhe nosso sossego. Falamos de arte, clima, imigraçoes, origem da cidade. Coisa de viajantes solitários…

SALZBURG

Há séculos que não sei o que é dormir ouvindo cascos de cavalos puxando charretes e acordar com sinos de igreja contando as horas. Tem sido assim em Salzburg, aqui na Áustria. Cedo andei pela floresta próxima a Fortaleza de Hohensalzburg. O morador Mozart não era o único a consumir grandes quantidades de velas para compor a noite. Era comum o incêndio de casas. Uma das funções das torres de Hohensalzburg era avisar aos bombeiros sobre os focos de fogo que se avistava na aldeia. 

É época do festival de óperas e concertos ao ar livre. Assisti, numa iluminada Praça da Catedral hoje a noite, a ópera Pique Dame, de Tschaikowsky, com a primorosa tradução da Marieta, uma amiga austríaca, casada com meu querido Adriano De Souza Ribeiro que me recebeu ontem ostentando, além do enorme carinho, uma inconfundível camisa do flamengo neste clima medieval. Depois de tantos hotéis, aeroportos, estações e faz-desfaz de malas, a benção da pausa.Da volta ao idioma pátrio. Da mesa em família. Crianças. Do partir do pão e do repartir estórias. Deus é bom em tempo integral. Misturo minha vida com a desses amigos. Até o próximo destino.

DOMINGO É DIA 

de banho social democrata nas águas do Lago Wallersee, o maior do norte de

Salzburg.Uma área de lazer popular para banhos, pescadores credenciados, barcos à vela, windsurf, enfim, esportes aquáticos que não dependam de motores nem poluam a pródiga natureza do lugar. Depois de um belo almoço de domingo partimos hoje para um banho em família. A água é surpreendemente agradável. Diferente do inverno (foto)

quando a área congela tornando possível a patinação no gelo. Como ainda é verão, depois do mergulho tiramos um bom cochilo na grama.

SALZBURG, TURISMO, CADEADOS E PRÍNCIPES

Não sei se acontece com vc. Sempre q volto de viagem me perguntam sobre algo em determinada cidade: Vc foi lá? Se vc não tiver ido vai ouvir: Ah, então vc não foi! Pois, há muito que desisti de conhecer tudo que um lugar oferece como se nunca mais fosse voltar ali. E pra comprovar que estou certo sempre acabo voltando. O problema é q troco qualquer desses passeios imperdíveis por um bom papo com alguém da cidade, algumas horas de leitura ou até por um cochilo na grama de um parque. Em alguns países europeus ainda podemos fazer isto e acordar com a carteira e o celular no bolso. Passo boa parte do tempo, no entanto, dentro de museus. Salzburg não tem um museu de arte

contemporânea (!!!) mas, em algumas de suas galerias pode-se ver Picasso, Calder, Arnulf Rainer, entre outros. Todos à venda. Mudando de assunto: Numa dessas andanças passei por uma das pontes dos cadeados sobre o Almkanal em Salzburg. Os de Paris foram retirados quando se tornaram um amor de peso: 45 toneladas. Em Salzburg, dizem, são retirados de tempos em tempos, o que torna as tais juras de amor não tão eternas por aqui. Para não dizer que estou sendo um turista mal comportado visitei antes de lá cochilar, o florido Jardim e o Palácio Mirabell, construído pelo príncipe-arcebispo Wolf Dietrich para sua bela amante Salome Alt, que acabou lhe enchendo o palácio com quinze filhos. O jardim conserva o desenho barroco original e é impecavelmente conservado com

arranjos de doer o olho de tão bonitos. O salão de baile do príncipe é considerado hoje o mais romântico cenário para casamentos. Fofo, né?

MOBRALSBURG

As placas de identificação de lojas, restaurantes, pousadas e bares da Getrei Degasse, rua em q nasceu Mozart em Salzburg têm uma curiosidade. Todas trazem uma imagem ligada ao seu negócio. Uma bota anuncia uma sapataria; uma chave, uma hospedaria, ramos de trigo uma cervejaria. O costume surgiu devido ao analfabetismo de antigamente e a representação do objeto dispensava a leitura. Na placa do Mc Donalds… a letra M

SEM TÍTULO

Acordo em Zurique com o dia se espreguiçando em ruídos de grilos e trilhos de trem. O amigo que me hospeda é colecionador de arte e vou ao banheiro cuidando para não tropeçar em objetos, pequenas instalações, quadros no chão. Não há na casa um centimetro ocioso. Como todo colecionador meu amigo Blank sabe que a melhor maneira de conservar uma obra de arte não é guardando-a mas mantendo-a exposta. Assim durmo com picassos, mirós, boteros e heitor dos prazeres. Punky, sua mulher, descobriu uma trilha na floresta e vamos explorá-la daqui a pouco, depois do café da manhã. Só então vou me misturar à cidade. Provavelmente me enfiarei em algum museu. 

Em tempo:

O brasileiro Ernesto Neto acabou de desmontar a maior instalação de arte que a Estação Central de Zurique já recebeu: A GaiaMother Tree. Durante a exposição o artista reuniu líderes de comunidades indigenas do mundo todo para falar de sustentabilidade e resistência. Perdi essa.

Por Vilmar Madruga.