Os jornalistas e escritores João Pimentel e Zé McGill, ao serem convidados para escrever sobre os 50 anos do Ato Institucional Número 5 (o AI-5), em 2018, decidiram que o melhor caminho seria colher relatos individuais de quem viveu essa “página infeliz da nossa história”, como bem cantou Chico Buarque, um dos personagens do livro “Mordaça: Histórias de Música e Censura em Tempos Autoritários”. Mas o tempo era exíguo, depois veio a pandemia e o que seria um recorte temporal sobre os anos de chumbo foi, naturalmente, ampliado. A censura, moral ou política, sempre existiu no Brasil, em maior ou menor grau, dependendo do autoritarismo, ou não, reinante. Em cada entrevista, em cada relato, o assunto também se estendia aos tempos atuais. Portanto, Mordaça também traz a discussão para esses tristes Anos Bolsonaro.

A obra reúne alguns dos casos mais emblemáticos sobre o incessante embate entre música e censura, arte e autoritarismo no Brasil. Escrito a partir de depoimentos exclusivos de alguns dos nomes mais importantes da música brasileira, colhidos pelos autores entre 2018 e 2021, Mordaça é um registro amplo e contundente. Para criar maior envolvimento com as histórias, o leitor poderá desfrutá-las ao som da playlist elaborada com todas as músicas citadas, disponibilizada por QR Code no livro.

Recheado de personagens marcantes e casos surpreendentes, dramáticos, trágicos ou até engraçados, mas sempre narrados com uma linguagem leve, o livro demonstra como artistas foram perseguidos e silenciados e como fizeram para burlar os absurdos impostos pela censura.

Os autores realizam um bate-papo ao vivo no canal do YouTube da Estação Sabiá, com Regina Zappa, nesta sexta-feira, dia 24, às 16h.

Nas páginas de Mordaça, histórias de personagens de gerações e gêneros musicais tão distintos quanto Chico Buarque (que explica, por exemplo, como o samba “Apesar de Você”, aprovado por engano, foi o estopim de seus problemas com a Censura nos Anos de Chumbo) e Philippe Seabra (da banda Plebe Rude, que, já no período de abertura política, teve a audácia de escrever uma música intitulada “Censura”); Paulo César Pinheiro (que misturava suas letras às de outros autores da gravadora para conseguir as liberações) e Leo Jaime (que fala sobre sua hilária relação com a censora Solange Hernandes, a Dona Solange); Beth Carvalho (em uma de suas últimas entrevistas) e Jorge Mautner (que conta que, quando esteve preso, os militares tentaram lhe dar LSD como parte de um “experimento”); Geraldo Azevedo (que dá a sua visão sobre o que aconteceu com outro Geraldo, o Vandré, além de relatar as diversas torturas que sofreu enquanto esteve preso pelos militares) e o ex-funcionário da RCA, Genilson Barbosa (que diz como fazia para subornar censores); Gilberto Gil (que compara os censores a guardas de fronteira) e BNegão (que, fazendo uma ponte com o presente, denuncia um caso de censura ao seu show no Mato Grosso do Sul, em 2019).

Muitas vozes saem das páginas deste valioso registro histórico-musical. Vozes que servem como alerta para todas as gerações e que devem ser escutadas em tempos de censura velada ou no caso de a censura oficial voltar a assombrar o Brasil.