“Que baliza você irá ultrapassar hoje?”, instiga André Sheik, curador da exposição “Fronteiras”, quando se refere à instalação site specific que a escultora Dorys Daher apresenta no Centro Cultural Correios Rio. Ao elevar, do chão ao teto, uma barreira com dois lados de materiais e características diametralmente opostas – uma áspera e opaca, outra lisa e brilhante -, a artista propõe simular uma espécie de rasgo no espaço, expondo uma divisa que não se restringe ao aspecto físico e visual. A obra de grandes dimensões (4m x 4,60m x e 10m) preenche por completo o pé-direito do espaço expositivo, opondo folhas de alumínio polido a tiras escuras de lixa grossa.

Em grande parte de sua produção, Dorys aponta oposições, usualmente apresentadas no contraste de materiais, que tendem a se harmonizar. A artista gosta de observar os diversos lados de uma mesma questão, propondo que muitos deles dependem do ponto de vista de onde se observa. “Nossa perspectiva está condicionada às nossas vivências, às nossas experiências”, defende ela.

Composta por quatro tiras de alumínio polido (1m de largura e 8 m de comprimento, cada) e dezoito tiras de lixa grossa (23 cm de largura e 8 metros de comprimento cada), a instalação está colocada entre as colunas de ferro da sala, fixada por arrebites metálicos nas vigotas de ferro. À medida em que se aproxima da obra, o público é convidado a olhar para cima. Os indivíduos tornam-se singelos diante da instalação e observarão os diálogos propostos em “Fronteiras”, iniciados acima, a distância. Contando com mais do que o dobro da altura da linha do horizonte, a escala não é uma escolha puramente plástica.

Trata-se de outro recurso metafórico, como explica a artista: “O espaço é o cerne da minha produção escultórica e arquitetônica de artista goiana radicada no Rio de Janeiro. As duas frentes de criação se complementam, possibilitando uma abordagem singular sobre as dimensões estético-sociais que envolvem a escultura e a arquitetura. A ideia é articular criticamente o espaço a outros conceitos geográficos como lugar, território e paisagem, para evidenciar as dimensões que os conectam e diferenciam”.

Como uma espécie de monumento-transitório, a obra de Dorys Daher está contextualizada entre a série de movimentos que vem colocando em xeque a estabilidade das concepções de História que construíram a civilização ocidental a partir da modernidade. Mais virtuais – como as fronteiras – ou menos virtuais – como a arquitetura –, estas vêm condicionando os laços que indivíduos e grupos sociais constroem entre si.

“Existem incontáveis tipos e formas de fronteiras. Estas podem ser aparentes, como um traçado no chão, cercas, muros, rios e montanhas, por exemplo. Mas há, também, as invisíveis, como diferenças culturais, idiomas ou ideais instransponíveis. Cada contexto tem seus próprios riscos demarcatórios. Agora, quase tudo está na iminência potencial de se alterar, mudar de estado, passar de um lado a outro. E há aqueles que vivem entre mundos. Alguns limites são maleáveis. Por vezes, para superar um obstáculo, é preciso contorná-lo.

Fronteira igualmente significa o ponto máximo a que se pode chegar. Todavia é um lugar não delimitado, posto que inalcançável. Onde ficam as bordas (ou as dobras) do Cosmos? A imaginação humana não tem fim, embora algumas ideias nos pareçam inconcebíveis. O que separa a luz da escuridão? De acordo com o Modelo Padrão da Física, a luz surgiu um milionésimo de trilionésimo de segundo após o Big Bang, a explosão que teria dado origem à forma atual de nosso Universo.”

André Sheik, junho de 2022

“Fronteiras” pode ser visitada até 3 de setembro. O Centro Cultural Correios Rio fica na rua Visconde de Itaboraí 20, Centro.