Quando saí da mamografia e vi a loja bem ali em baixo daquele prédio frio e impessoal, resolvi pedir pra experimentar o par de óculos escuros da Tiffany ali na vitrine. Pensei que só ia experimentá-los, mas com os elogios e desconto que o cara me deu, comprei o par.Voltando pra casa, acendi um baseado (pois foi no dia da celebração da maconha neste país)  o tal de “euphoria”,  do qual o cara da loja onde o comprei falou,  “esse aqui te bota um sorriso no rosto”!

Mas logo depois do sorriso, me auto-flagelei, pensando que quis me içar acima de toda a chatice da minha situação com uma assinatura da Tiffany.

Que quis afogar nesse nome que mistura lembranças de Paloma Picasso, Audrey Hepburn, elegância, e da paz do azul celeste que patenteou,  a  chatice de ter um longo casamento deteriorado nas costas, de não saber dirigir no estado da Califórnia em que moro, de ter vindo pro maior culto capitalista da juventude e me sentir um dinossauro; de ter ido fazer aquela mamografia de rotina que leva seis semanas pra dar o resultado; da enfermeira que me viu ser uma chata, de ter que fazer dieta de cholesterol,  da insegurança de,  a essas alturas,  ser uma nômade oficial na vida; de ter que ser sempre mais dura comigo do que nunca, de ter que fazer um super esforço pra olhar pro mundo e pra mim mesma e ainda conseguir dar um sorriso; de estar mais consciente do que significa ter dignidade e sentir mais mêdo que nunca de não vir a tê-la … Eu, que pensava que na idade “mais madura” estaria super em paz comigo mesma e acima de qualquer consumismo… Putz!

Mas também pensei que não caí na “má fé” do Sartre pelo menos; não me identifiquei mais e mais a um papel social com a idade, tipo abrindo mão da minha “liberdade existencial”. Pra botar de forma simples, não fiquei “settled down”, ou estabelecida. Ao contrário, não tenho papel nenhum na sociedade e sou uma psiconauta que viaja nas revelações de ayahuasca…

Depois de vários tapas da “euphoria”, me censurei porque na verdade não preciso de óculos escuros. Ja tenho um que é fôfo e um outro mais ou menos. Não preciso, então achei que posso ter comprado sem precisar porque são da Tiffany. Mas quando decidi que isso foi futilidade, tive de súbito na cabeça a imagem dos óculos no meu rosto enquanto me levantava de uma cadeira sob o sol lá fora, e como numa cena de sonho ou cinema,  me senti içada por eles, que  cintilavam e  pareciam estar me puxando pra cima literal e metafòricamente. Vi então que aquele tipo de compensação por toda a vulgaridade envolvida na conclusão de um casamento arrastado e tudo mais que citei, não foi a assinatura da Tiffany, pois os óculos são lindos mesmo.  Foi um “alô” da beleza contra a banalidade.

A beleza conta estórias, e mesmo quando o hábito apagar pra mim o charme desses óculos, eles permanecerão luminosos na imagem que inspiraram em minha cabeça. E são tão leves que com eles nada sinto sôbre o meu nariz; até esqueço que me secondo atrás de suas lentes.

O mundo através do que nada pesa vira meu: é olhado  sem poder ver o meu olhar.