Como todos que cresceram à beira do mar, levei muitos caldos  na praia, e a experiencia de ser pego de surprêsa pelas ondas, rodopiado sob elas, durante alguns segundos de aniquilação mental em que nem podia ver começo ou fim, conseguindo,  vagarosa e humildemente me situar, me ensinou a levantar de dentro do tumulto da água, sair dela tonta, confusa, mas com a sensação de ter renascido.

Era então que me tornava capaz de olhar o mundo à minha volta apologética, porém livre. Livre de mim mesma.

Essa experiência se tornou uma metáfora recorrente das situações definitivas da minha vida, como meus encontros com Ayahuasca. Imprevisível como uma onda, a medicina da Floresta te pega de surprêsa, antes de te liberar  para ver a verdade:  O mar, para o qual todas as ondas se abandonam, eufòricamente aniquiladas na branquidão nervosa de sua explosão, para novamente se tornarem parte do azul infinito.

Ayahuasca é as ondas, o mar, e esse amor entre eles: a poderosa fôrça de retorno que faz com que cada um deixe de ser pelo outro; pela sua comunhão.

A corrida pela plenitude dessa comunhão não permite hesitação, nem auto-preservação. A onda, força inviolável que se separa da fonte, também se revela como a delicada espuma de retorno, reencontro e redescoberta.

Literalmente falando, Ayahuasca elimina a rigidez dos conceitos através dos quais nossa limitada percepção vê a realidade, causando um tumulto visceral que nos faz sentir `as portas da morte, para nos resussitar para uma nova visão de tudo, em humildade e gratidão.

Ayahuasca é cura na dimensão fisica, psicológica e espiritual do nosso ser, permitindo-nos senti-las como algo indissociável, assim como a integridade com que o mundo nos aparece depois de termos sido sugados e liberados por uma onda.

Ayahuasca me mostrou que minha mente, minha constituição física, e todos os acontecimentos de minha vida, reconciliados através do seu olhar redemptor, formam a sinchronia de um momento.

Ayahuasca é a verdade da dimensão poética e cósmica, pois nos libera da prisão de padrões fixos e terrenos, da objetividade das medidas, e da cristalização de nossos conceitos mentais. A medicina da Floresta elimina o utilitário contexto de sobrevivencia através do qual vemos a criação, e que divide a realidade em função do que é bom ou ruim para nós, o que é bonito ou prazeiroso, versus o que é feio ou assustador.

Livres desse utilitarismo, Ayahuasca reconcilia  na graça a oposição de todos os dualismos dele consequentes.  Revela o que é imenso mas não tem tamanho, o que é distante e intensamente perto, e o que é inacessivelmente profundo como a presença mais pungente. Ayahuasca é pureza: Nao conhece transição, o comprometimento de meios em função de fins a ser atingidos. Aquilo que é, atraves de Ayahuasca, o é eternamente.

Liberar-se de padrões terrenos é uma experiência mística.

Liberar-se das quantificações de medidas é transcender. Liberar-se da relatividade de comparer é conhecer o terrível do amor.

Resgatando o sagrado de cada e do todo, Ayahuasca me ensinou que o individuo não é uma parte desse todo, ele é com este. Uma completude vivendo com o completo. Um refletindo o outro.

Quem sabe, a divindade não é a infinitude desse refletir? Quem sabe não se trata da abrangente  generosidade que nos inspira dizer, com o poeta Alexandre Manoel Thiago de Mello, que “Somos estrelas de um só momento, cujo brilho altera a ordem do firmamento”.

Ayahuasca nos ensina ver, na cesta cheia de pães, o nosso pão de cada dia, aquele que nos é verdadeiramente dado por Deus.