Um dia, quando eu e meu irmão éramos pequenos, estávamos prestes a sair da praia com papai, depois de termos conseguido fazer, durante algumas horas de muito rigor e paciência, esculturas de areia. Orientados por nossos pais, frequentemente treinávamos modelar esse elemento tão leve e fugidio para participar de uma competição para jovens dali a algumas semanas, naquela mesma praia.

Percebendo que íamos nos afastar das obras que tínhamos feito, alguns garotos se juntaram ali perto e olharam pra elas de um jeito que imediatamente transmitiu sua intenção predatória a papai. Ele pôde ver que tão logo nos afastássemos, aquele bando destruiria as formas que conseguimos destacar da uniformidade daquele chão evasivo, fofo e multiforme, com tanta tenacidade. De fato, eles nem bem esperaram que acabássemos de juntar nossas coisas para começar a dar frenéticos pontapés nas nossas esculturas.

Com uma seriedade que dispensava qualquer tom de reprovação em sua voz, papai nos disse:

“Vocês nunca devem destruir nada a não ser que consigam fazer uma versão melhor do que destruíram.”

Olhando a fúria com que o grupo vandalizava o que fizemos, percebi o absurdo de quererem compensar sua incapacidade em fazer o que tínhamos feito, com o falso poder da agressividade, e vi como era ridículo tentarem esconder sua impotência sob a raiva.

Afastamo-nos deles com o compromisso de sempre fazer melhor, não porque quiséssemos destruir alguma coisa, mas porque, no mandamento de papai, a condição “a não ser que consigam fazer uma versão melhor do que destruíram.”, nos fez ver a mesquinhez de nem mesmo tentar ser dignos do que poderíamos admirar, ainda que somente aprendendo alguma coisa sobre nossa admiração, ou sobre nós mesmos através do que admiramos.

Embora mamãe encontrasse uma dimensão além da realidade em nossa visão infantil do mundo, e papai se sentisse responsável por nos mostrar que tudo que existe é puramente material e sem sentido, tanto um como o outro, a despeito do panteísmo dela e do ateísmo dele, conseguiram nos transmitir o sagrado da criação.

Agradeço a Deus por meus pais, mesmo com visões opostas da realidade e raramente chegarem a algum acordo, terem passado pra nos a mensagem de que o respeito incondicional existe.

Por terem nos transmitido, a despeito de suas crenças e opiniões, a realidade da Alma.

Por terem sido criativos sem parar.

Dou graças a Deus por eles sempre terem avaliado sua atividade em si mesma, ao invés dos objetivos a serem alcançados através dela.

Por terem sido incapazes de usar o presente em função do futuro, mesmo que isso não os permitisse um grão de praticidade.

Agradeço a Deus ter tido pais que só mentiram pra poupar outros, mas nunca pra tornar as coisas mais fáceis pra eles próprios.

Que nunca esperavam que se curvassem a eles, como nunca se curvaram para ninguém.

Que eram péssimos pra falar sobre dinheiro, ainda por cima pra fazê-lo.

Que estavam sempre prontos pra aprender e nunca ligavam pra imagem que pudessem dar a outros.

Que estavam muito longe de ser “role models”, mas eram sempre conscientes de valores que estão além do utilitarismo, da temporalidade, e do auto interesse.

Que em poucas palavras, viviam em contacto com a dignidade de cada ser.