Perto do Natal do ano passado, determinei-me procurar uma igreja
que celebrasse a missa em Latim, para , na missa do Galo, melhor
lembrar a significação verdadeira do Natal, acima da ganancia do
mercado, como da mesquinhez do “dever” que este nos impõe de dar
presentes, seja lá de que maneira, para gregos e troianos, e também, do
nosso próprio materialismo.

Pela primeira vez, tinha assistido, via Youtube, Pavarotti cantando
Adeste Fidelis, (Oh come, all ye faithfull). Na sua intensidade, ele
incarna exatamente o papel de anunciador do Nascimento milagroso,
daquele de quem sempre, na verdade, devemos lembrar, e que, na
banalização do comércio, da comilança, da troca e julgamento
silencioso de presentes, se torna tão difícil.
A civilização é profana, de modo geral.
Mas Pavarotti, como o grande artista que era, demonstra, por pequenos
movimentos, expressões, e nuances na voz, uma dignidade quase orgulhosa de ser escolhido para congregar os fiéis, ao mesmo tempo que
a humildade, diante de tal sublime missão. A convicção que ele expressa
de ser especial, enquanto alerta aos fiéis, juntamente com a reverencia
altiva, diante da missão que em muito o ultrapassa, transmitiu pra mim a
natureza angelica. Só ela pode ser orgulho, na humildade extrema. O
chamado de Pavarotti me deu a certeza de que anjos existem e que, de
fato, anunciaram o Nascimento de Christo.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir, logo depois, uma igreja, bem
aqui em Boulder, onde a missa é celebrada em Latim, uma vez por semana e, claro, no dia 24, `a meia-noite. Nunca encontrei essa raridade
nas outras cidades em que morei, aqui nos Estados Unidos, e soube que
até na Italia, não é facil encontra-la.
Fui apresentada ao poder do rito com seis anos, através do
Cristianismo, na escola católica que frequentei, cujas missas eram
celebradas em Latim. Embora eu não entendesse nada do que era dito,
sentia grande fôrça no mistério reverente do que ouvia, e quando o padre
levantava a hòstia para a adoração dos fiéis, a alvura e precisão da
circumferencia que nunca se trae, nunca se desvia de si mesma, tornando tudo o mais `a sua volta, com excessão do crucifixo central, a que ela era
erguida, quase inexistente, ou mero pano de fundo, me encantava. Pra
mim, ela era mesmo o próprio corpo de Cristo, em toda a luz e
integridade tão precisa, mágica mesmo, da rodinha branca, e não um
símbolo deste, como parece decretar o Protestantismo.
Lembro da revolta de minha mãe, quando o vaticano destronou o
Latim, em favor das línguas locais. para a celebração da missa. Havia
recato e mistério no ritual original, em que o padre tudo celebra, de
costas para o público. Parecendo assim, estar mais com Deus do que
com a “audiencia”, ele ergue a hóstia ao Cruxifixo, acima do altar, Hoc
est enim corpus meum, ( Eis o meu corpo).

Mamãe estava certa, quando dizia que nessa popularização da missa,
o padre, virado para a sua “audiencia”, parece dar um show, ao invés de
estar consigo mesmo, na introspecção sagrada da oração. Amén.
A comunhão, que na celebração popular, qualquer um pode oferecer,
botando, sem nada dizer, a hóstia na mão dos fiéis, que, em fila, nem
precisam se ajoelhar (como clients recebendo o pão, na fila da padaria, e
logo dando lugar ao seguinte) enquanto na celebração em Latim, só o padre pode oferece-la, e o faz primeiro aos sacristães, com a prece que
tanto honra a sua verdade: Ecce,agnus Dei, ecce qui tollis peccáta
mundi ( Eis o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo) obtendo
deles a resposta, Domine nom sum dignus, ut intres sub tectum meum,
sed tanto dict verbo, et sanabitur anima mea” (Senhor não sou digno,
que entreis em minha morada, mas diga uma só palavra, e minha alma
será salva). Passando então aos fiéis, a anuncia também com a prece,
“Corpus Dómine nostri Jesu Christi custódiat animam tua in vitam
aetérnam” (que o corpo de Cristo preserve tua alma na vida eterna). Que
diferença!
Nesse ultimo domingo, o “nosso” padre, durante o sermão, falou
sobre o Natal, dizendo aos aos fiéis que se lembrem de Cristo, do seu
Nascimento, e não somente da preparação de ceias e presentes, que
trocamos com aqueles mais proximos de nós. Fácil recomendar, difícel
fazer.
Como esperar a lembrança de Cristo, durante algo que se tornou a
ocasião mais commercial do mundo, tendo o seu ritual banalizado?
Lembrar-se de Cristo não é somente assistir a missa do Galo, seja esta
em Latim, inglês, ou português, e mecanicamente rezar. Lembrar-se de
Cristo é tentar ser um pouco como ele, e sua infinita generosidade.
Os presentes que cobiçamos, e trocamos entre nós, não deixam de
representar, na alegria e prazer em dar, a presença de Christo. Mas, para
que não se tornem mero resultado de instituição commercial, que muitos
consideram ser tudo, em termos de Natal, devem ser extendidos a outros
que, sem eles, tem todos os motivos para olharem essa data com
cinismo, pensando que o tal Papai Noel só gosta de rico.
Devia haver uma lei, exigindo que todas as familias, da classe média `a
abastada, se responsabilizassem pela alegria de uma ou duas crianças de
familia pobre, ou simplesmente abandonadas, com presentes tao bons,
quanto os que damos `as nossas crianças.
Para crianças, nada de utilitarismo, e sim, encanto. Brinquedos, ao
invés de coisas úteis, são portadores desse encanto, que condiz com a
“existencia” de Papai Noel.
O mercantilismo nunca deve sufocar o ritual, e sim ajudar a servi-lo.
So podemos ficar dignamente contentes, com nossos presentes, se
experimentarmos desapego em ajudar, decentemente, e sem
condescendencia, os menos favorecidos.
Adeste Fidelis!
Sejamos como os primeiros fiéis, quando a constante auto-superação e
auto-descarte da indústria, com a ganancia que tanto multiplicaram, não
existia. Devemos aprender a fazer, da alegria materialista com nossos
presentes, e do orgulho em ver o jubilo das pessoas próximas que
presenteamos, um estímulo para o desapego, e altruismo.
Dominus Vobiscum!
(O Senhor esteja convosco!)