Grande parte da sedução da indústria concerne os ritos que cria em torno de seus produtos. Não é atoa que Steve Jobs não só queria que houvesse beleza além da utilidade em tudo que Apple produzia, como intencionava que cada um de seus produtos constituíssem, a partir da abertura de sua embalagem, uma “experiencia” para o consumidor.  Com prazer, sentimos a suavidade da caixinha do iPhone na nossa mão e a fluidez da sua forma, por exemplo, antes de rompê-la e alcançar seu conteúdo. Embalagens são como as molduras de um quadro, podendo valorizar ou diminuir o objeto que embalam. Aumentam a poluição de lixo no planeta, mas cantam hinos aos produtos que contêm, como se introduzissem a “alma” delesAlma?

Isso me lembra o que disse Camille Paglia sobre a qualidade pagã da civilização ocidental por só adorar realmente o objeto industrial.  Só que o charme ou a eficiência de qualquer um desses objetos vem cada vez mais se transformando em tirania, e a adoração pagã que lhes corresponde se tornando cega escravidão. As embalagens, como cintos de castidade, estão cada vez mais difíceis de abrir a ponto de existir ferramentas com ramificações múltiplas para cortar, desatarraxar, ou desatar o produto delas, funções que sem a sua ajuda levariam um tempo eterno do cliente. Nesse sentido, etiqueta “Try me” (experimente-me) colada sobre as amostras dos produtos competindo entre si nas prateleiras das lojas, deveria mudar para “rape me” (violente-me) para aludir à dificuldade de alcançar os produtos representados por aquelas amostras, enquanto o alívio de finalmente tocar nesses produtos corresponde ao orgasmo do consumidor.

Afora isso, dentro das tais embalagens, os livretes de instruções sobre como usar o produto nelas contido, que já são super sacais e muitas vezes redundantes (e tão extensivamente explicativas que chegam a confundir) vem sendo acompanhados de mais e mais folhetos, como explicações sobre a manutenção desse produto, garantias, e em alguns casos, de mais folhas de papel explicando como descartá-lo adequadamente etc.

Por causa de todo esse estresse ridículo, num certo Natal, eu realmente aplaudi meu enteado. Ele sempre foi um cara super sarado que só pensava em aumentar seus músculos, e tinha recebido de sua avó um invólucro de plástico transparente contendo uma nota de cinquenta dólares, que para ser alcançada, ele deveria manipular uma certa bolinha ali dentro através de botões na superfície, até que essa bolinha atingisse um alvo ali marcado. Só assim, o tal invólucro se abriria para libertar a nota que continha.  A ingênua avó pensava ter sido espirituosa ao arranjar um jeito lúdico de presentear o neto com cinquenta dólares. Mas o cara, que era músculos sobre espírito ou força cega sobre qualquer “espirituosidade”, simplesmente deu uma puta soco naquela baboseira, quebrando-a em muitos pedaços e se apossando da nota.

Muitas vezes em que me debato com alguma embalagem, me lembro disso, e se tivesse aqueles músculos, também a destruiria.

A tirania da matéria se escarnece de qualquer experiência ritualística, anula a possibilidade da “alma” no produto, e pede mesmo um bom sopapo na cara!