Nos meus tempos de escola, tínhamos que aprender os hinos do país. E eram muitos. Embora preferisse os “não oficiais” pela leveza e clareza – Cidade Maravilhosa, Aquarela do Brasil, entre outros -, gostava da “Canção do Expedicionário” pela levada acelerada, que começava “cornetada” e assumia um desenho melodioso, bom de ouvir e cantar: “Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá…”

As letras vinham na contracapa dos cadernos do colégio. Curtia o tom romântico e os versos de amor das primeiras estrofes do “Hino à bandeira”: “Salve, lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz. Tua nobre presença à lembrança, a grandeza da pátria nos traz. Recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil. Querido símbolo da terra, da amada terra do Brasil.”

Aliás, há uma bela gravação desse hino, ao vivo, do Ivan Lins, provavelmente da época da redemocratização. Sempre tive uma relação meio autista com os hinos. Introjetava rapidamente a melodia mas não decorava as letras, empoladas, barrocas, num português arcaico com palavras e expressões que ainda hoje não compreendo e não me animo a recorrer ao dicionário.

Me incomodava a patriotada das letras em que celebrávamos a terra amada, pela qual prometíamos sangue e a própria vida: “ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil. A ameaça a nossa liberdade, aliás, era sempre externa, nunca interna. Cantávamos isso, na escola, no início dos anos 70, quando não havia liberdade no país.

No entanto, o que mais me intrigava, o mais complicado, misterioso e ininteligível era o da República”. Ainda assim adorava seu refrão, pela clareza da mensagem, em contraste com o hermetismo dos demais versos, e pela personificação da liberdade, com asas e voz: “Liberdade! Liberdade Abre as asas sobre nós! Das lutas na tempestade. Dá que ouçamos tua voz!”

Mas era o trecho da “esperança num novo porvir“ que me fez lembrar agora dos hinos e desse especificamente. Há chances de esperanças num porvir se nos unirmos, acima de partidos e diferenças de matizes ideológicos. É preciso, primeiro, derrotar o fascismo para então pensarmos na reconstrução do país. Isso não é tarefa do PT, do Lula, do FH, do PMDB, do Ciro, do Moro, do Boulos, do Mandetta, mas dos brasileiros que se alinhem no que eu chamaria de campo da razão. Não vejo outra arma contra a irracionalidade do que a razão.

O autoritarismo, a negação, a mentira e o desprezo pela vida não fazem parte do campo democrático. É preciso restabelecer as regras do jogo. Quem se apresentar com plataforma política que não seja a derrota do neofascismo estará fazendo o jogo do Bolsonaro. Não é a esquerda que dará conta disso, tampouco um único partido, ou o centro ou o pensamento liberal mais à direita, mas o conjunto e tudo isso e quem mais se alinhar nessa luta. E que não esperemos 2022 e empurremos com a barriga a união das forças democráticas para o segundo turno. Será, infelizmente, uma acachapante derrota.

A união do “campo da razão” é pra ontem e deve se estender ao day after de 2022, porque quem fabrica mentira e já ameaçou usar bombas no passado para fazer valer posições, pode retomar o terror em reacão à perda de poder. É ingenuidade achar que quem deplora o jogo democrático aceitará as regras e passará candidamente a faixa.

Por fim, aí vai letra do Hino da República, o tal que fala de um monte de coisas que não faço a menor ideia do que seja, a não ser a liberdade. A letra é de Medeiros e Albuquerque e a música de Leopoldo Miguez, de 1980.

Seja um pálio de luz desdobrado.
Sob a larga amplidão destes céus
Este canto rebel que o passado
Vem remir dos mais torpes labéus!
Seja um hino de glória que fale
De esperança, de um novo porvir!
Com visões de triunfos embale
Quem por ele lutando surgir!

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!