Lan era o carioca mais apaixonado com quem tive o privilégio de conviver por tantos anos no Jornal do Brasil – e na vida – embora fosse italiano, criado no Uruguai. Editor da Revista de Domingo, em 1992, levei-o pra lá e depois, para o Caderno Cidade. Ele morava em Pedro do Rio, na Serra e fazia questão de ir à redação entregar seus desenhos sensacionais, obras de arte, tomar um café, fumar cachimbo e contar histórias. Lan na redação era uma alegria. Todo mundo parava pra bater continência pra ele.

Foi uma figura humana tão grandiosa quanto o artista que nos brindou com uma visão única do Rio, da mulata e do samba. Dizia que as montanhas aqui derivavam da forma da mulata e vice-versa. E provava com um lápis e papel. Seus desenhos tinham elegância e movimento. Não há nada sequer parecido.

Era um artista em êxtase: se sentia privilegiado em viver a realidade que transpunha pra tela: a cidade, a mulata e o samba. Pintou o sete com as cenas que passistas e os ritmistas lhe brindavam. Conhecia a personalidade do músico pelo instrumento: “o cara que toca o surdo é crioulo de cara amarrada, porque tem que ficar concentrado, não pode errar, o da cuíca é só alegria, ele está ali pra colorir a bateria.”

Assim era o Lan. Tinha histórias deliciosas e adorava conta-las: não queria conhecer a Bahia, embora dezenas de amigos vivessem em Salvador, Carybe entre eles, porque achava que ficaria lá pra sempre. “Aconteceu isso já com o Rio, não quero mudar de endereço novamente. Melhor não ir. Os amigos entendem. Vou adorar aquilo lá”.

Ele era casado com a Olívia, uma das irmãs Marinho. Perguntei se foi casualidade ou opção a escolha de uma mulata como companheira de vida. Ele disse:

—-Nenhuma coisa, nem outra. É coerência, meu querido! Sou um homem coerente,

Acompanhei o processo de restauração de um Alfa-Romeo esporte, fabricado na Itália. Uma joia. Quando ficou pronto nos convidou a ir almoçar num sábado, em sua casa na Serra.

Mas nada ocupava em sua vida o tamanho das figuras femininas que habitam o Rio. Ele as retratava como as enxergava: esculturais, gigantescas e se colocava na cena, sempre bem pequeno. Para o Lan (Lanfranco era seu nome) as mulheres eram monumentos, “a maior prova de bom gosto do Criador”.

Lan era assanhado, mas não perdia a linha, embora não tivesse problema em se dirigir a uma mulher e expressar sua admiração, fosse num bar, na rua ou na redação, ainda que ele ou ela estivessem acompanhados. Adorava ir para o samba. A Portela era outra de suas paixões. Reverenciava e era reverenciado pela Velha Guarda.

Depois dos 70, Lan começou a ter problemas de visão, mas não perdeu o bom humor, o amor pela vida e a capacidade de presentear a todos nós com a sua arte. Era uma figura especial e tinha uma legião de admiradores. Chico e Eliana Caruso eram grandes amigos. Chico admirava o Lan como um pai e a Eliana cuidava dele, como filho. Levavam o Lan pra tudo quanto é lugar.

Claudio Henrique, amigo e colega de longa data, passou alguns anos colhendo depoimentos para um documentário sobre o Lan. Tomara que conclua antes da saudade apertar. Seus desenhos no Globo, eram elos que ele mantinha com sua infinidade de amigos e fãs.

Lan, que faleceu nos primeiros dias do mês, aos 95 anos, deixa uma obra incrível, ainda que dispersa, sobre suas paixões, e acrescento aqui o futebol: livros, charges, caricaturas, ilustrações, gravuras, telas, desenhos, etc. Sinto e sentirei falta do cheiro de cachimbo que perfumavam suas infindáveis e saborosíssimas histórias. Ninguém, como ele, retratou tão bem e com tanta alegria, a alma de uma cidade e o espírito de sua gente.

O grande Lan era pura reverência à mistura de belezas – mulheres, sambistas, praias, mar, floresta e montanha – da cidade, sua eterna musa inspiradora.