Sempre vou lembrar quando o vi a primeira vez. Sim, ele é quem inspirou a linda musica Txai, de Milton Nascimento.

Eu e Edgar, meu irmão, o esperávamos no aeroporto, e o longo atrazo de seu avião me permitiu relembrar seu rosto, cuja expressão, nas fotos que eu ja tinha visto dele, revelava

intensa vida interior. Naturalmente, viria vestido como um de nós; era preciso abstrair seus traços da pintura indígena que os adornava nas fotografias- assim como seu cabelo e a forma de sua cabeça, do chapéu Ashaninka com que aparecia nelas- sem deixar de observar o irritante abre e fecha do portão automático de uma das salas de chegadas aéreas do Santos Dumont, para poder reconhece-lo tão logo aparecesse. O abre e fecha se repetia frenético, mas as pessoas que saiam não tinham nada a ver. Me aproximando, comecei a tentar localiza-lo do outro lado, durante os segundos em que as portas se abriam para cuspir alguém pra fora daquele espaço ansioso, onde passageiros, ainda despojados de sua bagagem, como que roubados de sua identidade, podiam ser vistos desamparados e anônimos, na espera de seus pertences,`a beira de uma esteira. Mas nem sombra de alguém que pudesse ser Benki. Edgar decidiu ir vigiar a outra saída de passageiros, quase que na extremidade oposta do aeroporto, mas dali a alguns momentos, através de uma das brechas entre um homem gordo e a borda das portas que o expeliam, avistei la dentro, um rapaz de camiseta e jeans, vestido como “um de nós”, mas inteiramente diferente de todos. Mais do que esbelto e alto, ele me apareceu etéreo, seu corpo parecendo responder a uma outra dimensão, trazendo-me `a mente as primeiras imagens dos alienígenas, no filme Close Encounters of the Third Kind, quando estes, fora da nave, são silhuetas que se aproximam, ao mesmo tempo que parecem prestes a se desvanecer no ar. A delicadeza de Benki é a sua força.

Ao invés de grudado `a esteira de bagagens, como os outros viajantes, Benki a observava de uma certa distancia, como se um pouco perdido, ou melhor, como se tivesse todo o tempo do mundo. Mais tarde, ja na casa de Edgar, constatei que, mesmo na urgência  com que vive, Benki tem todo o tempo do mundo, pois que responde a uma causa que o transcende. Nos momentos em que pudemos te-lo conosco e nossos amigos próximos, entre os milhares de chamados de toda parte, por todo tipo de pessoas que o seguem, fiquei realmente impressionada. Benki é pajé, e líder dos índios Ashaninka que moram na fronteira do Brasil com o Peru. Esteve com cada um de nos em particular, e, clarividente, disse, de imediato, qual era o principal problema de cada um, rezou-nos individualmente, soprando fumaça de seu cachimbo em nossa cabeça, aspirando de nosso peito, para logo cuspir  o que via de energia ruim, enquanto entoava palavras em sua língua. Não é bastante relatar o alivio diferente que senti com sua pajelança. Isso poderia fazer pensar em auto-sugestão, assim como acontece com os cobaias que tomam placebos e alcançam resultados positivos, do que seria, supostamente, remédios novos . Basta dizer que, alem de qualquer pajelança, ou do que Benki nos contou de si mesmo, o que na verdade mais me impressionou, foi a sua presença. Ver, para crer, ou talvez, crer, para poder ver. Fica a critério de cada um.

Benki é multiforme. Parece  uma criança, ao mesmo tempo que um homem moço, e um ser vindo de tempos imemoriais. Em sua graça, naturalmente nobre, evoca anjo e principe ao mesmo tempo. Benki é famoso, não so por abrir caminhos para as pessoas, ver dentro delas, muitas vezes curando-as na origem, sempre ignorada pelos medicos, das doenças que apresentam, mas pela sublime causa de salvar a floresta e o meio ambiente, ja tendo levado sua mensagem a vários países, em encontros com lideres de diferentes nacionalidades, e mobilizado muita gente que a principio era indiferente. No reflorestamento que faz com o grupo de rapazes que lidera, ja plantou dois milhōes de árvores. Diz ser a re- incarnação de seu avô, quem lhe deu a causa de salvar seu povo, sua cultura tradicional, e o respeito pela bio diversidade.

Alternando a realidade de fatos, com a verdade de sua herança mítica, tudo que Benki diz é fascinante, mas o que torna impossível não acreditar nele é a intensidade de seu ser. Em todos os momentos que estive `a sua volta, pude senti-lo integralmente presente, ao mesmo tempo que arrebatado. Unindo esses dois extremos, Benki é incrivelmente humilde, ao mesmo tempo que consciente do seu valor. Transmite o foco inabalável da coragem incondicional, como se seu ser fosse uma oferta, por assim dizer, ou estivesse constantemente `a beira do sacrifício. Com efeito, ja passou por varias ameaças de vida por parte de traficantes e madeireiros, e segue, sem medo.  Me fez pensar na entrega de Jesus, ao Pai. Lembrei também da paixão, como constante dor e renascer. Na sua calma firme, Benki é apaixonado.

A fé que Benki transmite vem da comunicação direta com a sua alma, sendo ele despojado de todas as camadas de defesa, atras das quais nos escondemos. Sua coragem,  a nudez da integridade, é  liberdade de não se guardar contra nada no futuro, assim como não se agarrar a nada do passado. Coragem é o infinito da presença: Sincronia com o destino.

Me sinto escolhida, em ter conhecido Benki, mesmo que, depois de passar a contribuir com a sua causa, e lhe ter feito duas visitas na floresta, com meus filhos,  nossos caminhos não mais se cruzem. Assim como Kierkegaard, que iria a qualquer parte do mundo só para conhecer alguém como o seu Cavalheiro da Fé, para ter, isto é, a experiência espiritual de testemunhar, na humildade daquele personagem, a manifestação do divino, eu, querendo conhecer Benki, tive essa experiência . E  posso dizer uma coisa: não ha dinheiro que possa garanti-la, nem lhe fazer jus.