Hoje no almoço duas mulheres conversavam e eu fui esgueirando o ouvido, e até pus  o cabelo para trás da orelha para escutar melhor. Sei que esse é um péssimo hábito. Mas o que se ouve por aí, às vezes, é de suma importância para algumas conclusões existenciais. Ou serve para nada, apenas para saber o que andam conversando os desconhecidos, ou para conhecer o que ignorávamos.

Não pretendo abandonar esse mau costume que aflora quando alguma luz vermelha se acende em mim. Podemos chamar de intuição ou de falta do que fazer. Se o que dizem não é importante, por que os políticos falam agora, mais do que nunca, com a mão à boca? Parecem velhas comadres fuxiqueiras espionadas por câmeras de TV. Querem se livrar das leituras labiais, reveladoras de grandes jogadas e segredos.

Pedi um delicioso bolo de laranja de sobremesa para prolongar minha permanência na mesa ocasionalmente estratégica e escutar mais um pouco da conversa. A esse péssimo hábito eu chamo de mix de ouvido de tísico com o de repórter.

As duas filosofavam sobre o fato de o ser humano possuir uma porção de vida e outra de morte e sobre a importância do equilíbrio.  Se não tivermos um bom balanceamento de ambas as partes podemos morrer.  Seria essa obviedade uma bobagem? Quem ouve o que não quer, ouve o que não precisa.

Fiquei pensando que elas não diziam nada de espantoso, pois morrer com equilíbrio também é destino. Mais fácil morrer de desequilíbrio, diria o bêbado atropelado. Morrer de tanto prazer, morrer de tanta tristeza.

Por um prazer imensurável nos lançaríamos ao mar; voaríamos do alto da montanha sem medo, dançaríamos entre os automóveis furiosos, beberíamos e fumaríamos todas. Ah, e amaríamos sem dor. E partiríamos sorrindo, olhando para trás com uma piscadela para quem ficasse.

Por uma tristeza tristíssima adoeceríamos de todos os males; choraríamos até desidratar; flagelaríamos nosso corpo e nossa alma; odiaríamos quem somos; desprezaríamos quem amamos; E a dor seria o nosso prazer. Viver plenamente e sem medo nos levaria à morte. Mas, moças, no fim da história não é mais ou menos assim que acontece? Para quê tanta explicação? O meu bolo já ia nas migalhas.

Saí dali pensando nessa história de equilíbrio. Por favor, a balança. Onde fica a balança? O homem da farmácia, nas boticas da minha infância costumava haver uma sempre postada  ao lado do pescador com um bacalhau às costas, a apontou com o queixo. E eu nem queria saber quantas calorias tinha o bolo de laranja que comi sem culpa, como se saboreasse a minha pequena porção vida do dia.

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O MENDIGO VASCAÍNO

Para quem segue os escritos aqui digitados, informo que soube que o mendigo que gentilmente me socorreu e ajudou minha mãe a não cair na rua, a despeito de sua fraqueza exuberante e de seu discurso de fome, recebe aposentadoria por invalidez.

Certo é que seu ganho mensal é uma merreca, como o da maioria dos brasileiros. Mas o mendigo faquir ganha muitas cédulas de dois reais por dia e, às vezes, se oferece ou atende pedidos para trocar suas notas por outras de cinquenta e até de cem. Ele também mora em uma casa própria num subúrbio e já segredou a um porteiro que sua féria diária pode chegar a quatrocentos reais.

Uma descoberta menos óbvia, porém não menos importante: o mendigo faquir não é Flamengo. Outro dia eu o vi, desfiando a mesma cantilena da desgraça, usando uma rota camisa do Vasco. De tanta decepção, acenei para ele. Ele acenou para mim, mandando de volta um sorriso encabulado. Não por causa da cruzmaltina.

FIM

Ilustração Pinterest