Havia um tempo em que convidar alguém para ir a um motel causava um certo frio na barriga. Aceitar a sugestão, quase dava em um piriri físico e psíquico. Na década de  1970, a maioria dos motéis frequentados pelos jovens modernos da zona sul ficavam  na quase longínqua Barra da Tijuca.

Os templos do amor tinham nomes singelos e românticos, geralmente em inglês. Os letreiros piscantes, como teatros da Broadway, evocavam flores, amor, paixão, mar, serra, balanço, aconchego, coração. Os motéis eram, em regra, um primor de discreção e reserva e os namorados sabiam que podiam levar as namoradas com segurança àqueles antros de transgressão.

O misto de pudor, dúvida e ousadia que os jovens da classe média experimentavam a caminho do motel era disparado por gatilhos filosóficos e fatos de um mundo que caminhava e empurrava para frente novos valores, como: é proibido proibir, amor livre,  queimar sutiãs, faça amor não faça a guerra, a pílula, os hippies, o homem na lua, a ditadura aqui e em países vizinhos, a guerra fria, fora yankees e, por fim, tesão recolhido e hormônios em ebulição, que ninguém é de ferro.

Ir a um motel era uma aventura que exigia alguma engenharia e esperteza. Os pais das garotas não poderiam (ou fingiam) saber o destino da filha, sob pena de um escândalo estourar, apesar dos novos tempos. Era melhor crer que as meninas estavam no cinema, em casa de amigas ou numa festa dançando rock e fazendo o coro de “Andança”.

Mas uma ameaça rondava as jovens mentes e corações. Mesmo àqueles que já tinham  maioridade civil. A qualquer hora do dia ou da noite a polícia poderia fazer  uma blitz  em alguma  daquelas estalagens urbanas em busca de menores.

Era sempre uma fantasia aterradora  o casal sair de um motel fugindo da polícia, abotoando a blusa às pressas, acelerando o carro emprestado pelo pai que era um provecto e pacato senhor aos 50 anos de idade.

Vários dos primeiros motéis da Barra ficavam na Barrinha com seus prédios baixos dando os fundos para o canal, onde hoje, e a toda hora, irrompe um “empreendimento imobiliário”. O canal, à direita de quem sai do Elevado do Joá entrando na Barra, é um dos lugares mais bonitos da cidade, ocupado em parte por casas e decks particulares de onde ziguizagueiam jetskis e lanchas.

Aos sábados à noite de então, na rua dos motéis que terminava  próxima ao Bar do Oswaldo, famoso por suas batidas coloridas, havia filas de espera de casais dentro dos carros, como nos restaurantes hoje. Os funcionários que controlavam o fluxo de entrada e saída de automóveis ignoravam com circunspecção profissional a acompanhante do motorista quando se aproximavam para dar uma posição sobre a vez do cliente.

Hoje, que motel que nada. Os namorados transam na casa dos pais de um deles e de manhã se sentam à mesa da família para dividir o suco, bolo, café com leite, pão e ovo mexido. A possível sogra pergunta se a noite foi boa; o possível sogro empresta o jornal, se é que os ‘milênios’ vão querer ler mídia impressa. Sexo de graça, no próprio colchão, privacidade total, com a bênção dos pais. Sem blitz, sem despesa, sem medo,  sem pecado e com juízo.

A rua do Canal da Barra tinha um appeal, perdido depois que os motéis saíram de moda e viraram apenas o que são: uma conveniência para amantes sem-teto e hóspedes improvisados  e excedentes. Na rua dos motéis passavam desejos, pecadilhos e transgressões em estado puro, antecedendo o furor das vias expressas que hoje levam ao infinito, os shoppings e os condomínios de todos os quilates.

Vem a atriz com seu physique de role requintado e afirma no comercial que no Canal da Barra vai nascer o condomínio mais “exclusivo” do bairro. Que seja. Até que venha o próximo.

Os  atuais e futuros moradores  da rua do canal se não sabem, saberão que ali, muitos casais cariocas  que envelheceram –  os que se separaram e os que viraram uma família tradicional  – se amaram e ousaram, antes ou depois de  sonhar ou dançar nas boates e bares que também tinham uma linda vista para  aquele Canal da Barra.