Numa viagem de Uber entre a Zona Sul e o Centro da Cidade, pesquiso as novidades do aplicativo, enquanto tento esquecer as chamadas  dos sites de notícias. É possível descansar deles enquanto tudo acontece e  muda com uma rapidez inacreditável no país?

Eis que entra na tela do celular uma pergunta que só aceitaria uma resposta em razão da curiosidade incurável do ser humano: SIM!!!!!!  A mensagem indagava se eu queria saber qual era a  minha avaliação ‘enquanto” passageira. Democrático, pensei. Se damos estrelas aos motoristas, por que eles não poderão dar estrelas a nós, passageiros. Só não sabia que o resultado se tornava público e endereçado. Choses da tecnologia e do marketing bem bolado.

Era a média de notas que eu recebera dos motoristas, a quem, acho, trato muito bem e com todo respeito, que já tinham me levado de um canto a outro desde que me tornei cliente da empresa.

Para minha surpresa, minha avaliação batia o 4,8 para uma nota máxima de 5. Pensa que fiquei satisfeita? Não. Eu queria a nota máxima. E enquanto o carro entrava no Aterro, o motorista ouvia uma seleção de clássicos (hum…delícia!), tentava lembrar se eu tinha saído no pau com algum motorista de Uber em minha curta vida de usuária.

Só conseguia recordar de um que me obrigou a ouvir funk pesado de Copacabana a Laranjeiras em dia de engarrafamento  e que não perguntou em nenhum  momento  do  trajeto, nem para cumprir  o protocolo, se o som incomodava. Nem ofereceu uma bala Juquinha, sequer. Muito menos água, para compensar o baticum quase pornográfico e o ar condicionado que mais parecia um ventilador envenenado. Fora o cheiro de cachorro molhado de emanava do estofamento.

O motorista me recebeu com um sorriso maligno e quando, antes de entrar no carro,  perguntei se ele se chamava Bruno, ele disse sarcástico que era Leonardo, mas era Bruno também se eu preferisse. Depois, pediu que eu conferisse se a foto dele batia com a fotinho estampado no telefone.

Ele tinha um cabelo raspado com umas estrelas em alto relevo.  Brigando com meu preconceito, e com meu atraso, resolvi topar aquela viagem que tinha tudo para virar uma desistência. E pensei, para compensar,  que o rapaz estava trabalhando; que ele tinha o direito de usar o penteado que quisesse e ouvir a música que mais lhe aprazia e que, talvez, eu estivesse de mau humor, para não aguentar a brincadeirinha debochada do troca-troca de nomes, em tempos que a gente deve desconfiar de nós mesmos.

Amarrei a cara e dei as coordenadas, a despeito do seu Waze, para que ele me deixasse exatamente na porta da clinica para onde eu ia. E devo ter saído sem dizer obrigada, depois de ouvir um  “senhora, desculpaê qualquer coisa”.  Pronto, talvez tenha sido ali, que perdi minhas  estrelas, porque imediatamente tasquei-lhe  uma estrela, apenas para  que não ele perdesse o emprego e engrossasse as estatísticas.

Mas e a minha autoestima? Por que me abalar com a nota 4,8, se nunca fui uma aluna exemplar e nem perseguia o 10? Lembrei  da minha analista, a primeira de uma série, que ainda não se encerrou, e  que um dia me deu um toque que carrego para toda a vida e distribuo.  Quando a gente tem baixa estima, se sente rejeitada até se o  motorista de táxi  não para para nós na rua. Nem pensamos que ele  está apressado porque  vai almoçar, ou que vai recolher, ou que tem lá suas razões.  Pensamos, isso sim, que ele não parou para nós porque não nos quer bem. É um bom termômetro, esse, sempre. Uso e recupero rápido o perdido amor por mim.

O Uber ainda nos consola e nos diz para não ficarmos chateados se não alcançamos a nota 5. Falava então comigo?  Não mais. E a página do aplicativo passa algumas dicas para você ser um ‘bom passageiro’: conversar com o motorista, ser afável, apertar a mão dele, não bater a porta do carro e outras boas maneiras básicas.

Adaptei o texto sobre rejeição e baixa estima da minha analista primeira para a nota que recebi do Uber, e saí sorrindo do carro, cravando 5 estrelas para  aquele motorista que continuava ouvindo música clássica. Ele merecia. Eu também.