Ah, os cadernos de perguntas da adolescência. Olhadas em perspectiva, as perguntas do caderno eram mesmo um horror. Para nāo dizer constrangedoras. Mas quem queria saber se eram irrigadas por maldade ou por inocente curiosidade? E a que se propunham mesmo? Conhecer  melhor o outro; fuçar-lhe a (intensa) vida sexual, resumida em beijo de língua e a um sarro no portão. Quem sabe, desejar o desejo do outro.

Coisa cacete, mas interessante, vista em perspectiva. Entre os poucos cadernos que guardo em baú, nāo tenho nenhum desses comigo. Nunca, na realidade, gostei dessa forma escrita de jogo da verdade, de meter o bedelho na vida alheia. Com qual objetivo? Por que seria divertido, se não para um bom fuxico? Ou para mentir e contar lorotas, gozando com a cara da perguntadora, deixando-lhe com o beiço caído de inveja pelas coisas que você dizia que fazia e não fazia?

Lembro que me esquivava dos tais cadernos, mas nāo me negava a respondê-los. Deveriam também ser levados para casa e escondidos das mães, pois  revelavam o quão assanhada poderia ser a turma com quem você andava. Devo ter escrito boas farsas como forma de nāo revelar minhas tenras verdades, tampouco torná-las públicas.

E essa franqueza bipolar dependia muito da dona do caderno, que obviamente passava de mão em mão. Ou de boca em boca. Ela, talvez; o caderno, certamente. E aí todo mundo no colégio sabia de qual garoto você gostava, e se você nunca, de verdade, tinha dado um beijo na boca, porque ninguém te queria.

Ou se você já tinha levado um chupão. Sabia também como você fazia para esconder aquela mancha roxa, que do dia para a noite costumava surgir em pescoços, nucas e latitudes menores, sempre acompanhada por um sonoro ahá das amigas na segunda-feira.

No questionário, itens do calibre de um grand finale de programa de entrevista que promete tirar verdades a fórceps: a frase ou o verso da sua vida. Para quem tinha vivido menos de 18 anos, a escolha nāo era muito difícil, a partir de tão curto repertório.

Quanta coisa devo ter escrito – muitas das quais talvez não me arrependesse hoje. Sabe-se lá. Mas aquelas frases e ditados que cultivávamos eram, em sua maioria, inumeráveis e meros jogos de palavras.  No pré-vestibular, um dia, a professora de História, desdenhou com umas cem baforadas do cigarro mentolado que sorvia em tempo integral, a mensagem altiva que alguém propositalmente deixou escrita no quadro-negro.

A partir de seu descaso, ela foi instada pela turma a comentar tamanha genialidade. Com mais uma tragada, a danada desmontou o sentido da frase invertendo-a e desinvertendo-a. A partir daí, comecei a perceber de quanta mentira palavras manipuladas, e simplesmente repetidas ou trocadas de lugar, são capazes, e passei a tomar muito cuidado para não ser intelectualmente seduzida por armadilhas frasais.

Mesmo adquirindo alguma expertise em desmontar bombas semânticas, confesso que permaneci fiel a algumas sentenças de efeito que aprendi com os cadernos de perguntas e que, eventualmente, encontrei em livros, para-choques e portas de banheiro. Acredito firmemente que tu és responsável por aquilo que tu cativas; que o essencial é invisível aos olhos; e que não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho. Creio também que a vida é como um sutiã: vou meter os peitos.

A professora, que sifu, embora, eu  lhe seja eternamente grata pela sua atitude didática, de ensinar, pelo menos a mim, uma preciosa técnica de sobrevivência na perigosa selva das palavras.

Por oportuno, leitor: Tens namorado? És comprometida (o)? Com quem? Gostas dele (a)? Ele (ela) beija bem? De língua? És virgem? Que parte do corpo te excita mais ? Qual é o melhor lugar para namorar?  Quantos filhos desejas ter? Que nomes terão? Onde pretendes morar? E passar a lua de mel? Que profissão pretendes ter? Um lugar inesquecível? Uma música marcante? Perfume preferido? Um filme? Gostas de dançar? Maiô ou biquini? Arena ou MDB? Louro, ruivo ou moreno? Qual é o seu maior sonho? Que frase te define? Serra ou mar?

(Um rapaz, que conheci anos depois, disse que com essa última pergunta conseguiu levar a namorada para um motel de nome Serramar, na Barra. Assim, ela não teve que escolher, argumentou o cínico.)

Eu, que nunca tive caderno de perguntas, adoraria saber de você. Deixe suas respostas no espaço reservado para comentários desse site.

Desde já, obrigada.