Toda história tem mais de um lado. E só um lado, o do branco na arte, vem sendo incansável e repetidamente contado ao longo do tempo nos livros, nas salas de aula e nas exposições. Agora, uma expressiva coletânea de obras de artistas negros ganha holofotes em uma exposição inédita, superlativa e reveladora no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo.

“Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”, aberta ao público a partir do próximo sábado (16), reúne obras produzidas por 61 artistas negros, de diferentes regiões, nos últimos dois séculos no Brasil. São cerca de 150 pinturas, fotografias, esculturas, instalações, vídeos e documentos abordando uma variedade de temáticas, técnicas e descritivos, distribuídos pelos cinco andares do CCBB. Para conferir na íntegra, a visitação tem duração média de duas horas.

“O propósito da mostra é um diálogo transversal e abrangente da produção artística afro-brasileira no país”, explica o curador Deri Andrade, pesquisador, jornalista, curador assistente no Instituto Inhotim e criador da plataforma Projeto Afro (projetoafro.com) de mapeamento e difusão de artistas negros/as/es da cultura afro-brasileira.

Série Afetocolagens, 2022 – Silvana Mendes

A exposição é um desdobramento do Projeto Afro, em desenvolvimento desde 2016 e lançado em 2020, que hoje reúne cerca de 300 artistas catalogados na plataforma. São nomes que abarcam um vasto período da produção artística no Brasil, do século 19 até os contemporâneos nascidos nos anos 2000. “A exposição traz outra referência e um novo olhar da arte nacional aos visitantes”, afirma o curador. “A história da arte do Brasil apaga a presença negra e o artista negro do seu referencial”, ele completa.

O trabalho de pesquisa por trás do projeto e da exposição nasceu do desejo e, na sequência, da frustração de Andrade de não encontrar muitas referências em torno da arte afro-brasileira no Brasil. Ao se debruçar em publicações, materiais de outras exposições (a exemplo de muitas com curadoria de Emanoel Araujo nos anos 90, que mais tarde viria a se tornar diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo) e inúmeras pesquisas para o mapeamento de artistas negros e suas obras pelo Brasil, Deri Andrade iniciou um minucioso projeto de catalogação de uma arte que, por vezes, foi marginalizada pela sociedade.

“Ser artista acho que já é difícil, ser artista negro no Brasil é ainda um pouco mais complicado”, afirmou o artista Sidney Amaral (São Paulo, SP, 1973/2017), em 2016, ao ser entrevistado pelo projeto AfroTranscendence. Desde a conversa, esse pensamento acompanha Andrade, que dedica parte de seu tempo a conhecer e investigar a produção artística de autoria negra no Brasil.