Agora só gosto de fazer programa de cachorro. Aliás, melhor dizer programa com cachorro. Quando tive covid e Chris me buscou no hospital no seu caminhão, preferi vir deitada na mala do veículo, entre nossos cães Maia e Bowie. Cachorros são ancoras de amor. Puxam a gente pra terra e pra vida.

Achei ótimo quando levamos Maia e Bowie pra São Francisco.  Chris tinha um encontro de trabalho lá, e eu estava fugindo do barulho das obras que estamos fazendo ao lado para expandir nossa casa aqui no sul da California. Em SF, cada um de nós ficou num hotel com seu respectivo cachorro, Chris com Maia, que é uma mistura de Doberman e Vizla, e eu com Bowie, um Cavalier King Charles.

Saímos daqui `a meia noite, e, dentro do carro, acordei no reencontro do amanhecer com o paraíso. Tínhamos chegado em Santa Barbara, um lugar a que eu nunca tinha ido, mas com que senti de imediato uma familiaridade transcendente. Os tons dourados e delicados do sol recém-nascido, o azul tão límpido do céu em direção ao qual as cores das flores que subiam pelos muros das casas pareciam apostar corrida, a praia onde estacionamos para os cachorros correrem um pouco, tudo parecia ser parte imemorial de mim mesma. Reconhecia lugares que nunca tinha visto antes como se fossem ilustrações de um livro de estórias de fada ou confirmações visíveis da eternidade, quando o antes se encontra com o depois. Ou então, como se tudo aquilo estivesse acontecendo numa dimensão paralela em que eu, mesmo sem saber, também vivia.

Os cachorros pintaram o sete em São Francisco. Bowie ziguezagueava naquelas calçadas que nem uma bola de pinball e tentava comer todos os detritos que encontrava. Quando parava um momento e dava tempo de ser observado pelas pessoas, fazia o maior sucesso e era tratado como uma celebridade. Maia tentou fazer coco na entrada do seu hotel, mas Chris tentou interrompê-la e a suspendeu num impulso brusco. O cocô já estava saindo e foi aterrissar bem na parede atras da recepcionista.

Na volta, paramos de novo em Santa Bárbara. É um lugar lindo, mas a sensação de déjà vu, independentemente da beleza, se faz sentir como eco de uma harmonia invisível, ou como a realização de uma intenção de Deus. Já tive essa experiencia no tocador de um cinema em Los Angeles, quando, sentada a uma espécie de penteadeira, reconheci numa fração de segundos o que jamais tinha conhecido antes. Às vezes, isso acontece quando ouvimos alguma coisa e temos a impressão de estarmos adivinhando as palavras que são ditas, como se elas fossem uma repetição do que não sabíamos que já sabemos. E são esses reencontros, seja com o que ouvimos, seja com o que vemos, que nos falam do paraíso, pois o verdadeiro paraíso é aquele que reencontramos, como pensava Proust.

A experiência de “déjá vu” nos ergue ao céu e às ideias, enquanto as boas-vindas nos olhos de um cachorro e a sua alegria inocente nos fazem aterrissar. Não no chão, mas no coração.  Qual desses dois mistérios será maior?